quinta-feira, 8 de setembro de 2011

ZÉ DA VIOLA - VIDA DE IMAGINAÇÃO E AÇÃO

José Geraldo Mozer, o Zé da Viola

José Geraldo Mozer, conhecido como Zé da Viola mora em Lumiar e inicialmente foi lavrador e até hoje planta alguma coisa, mas a marca pela qual é conhecido é a capacidade de imaginar e realizar. Sempre bem-humorado, empresta às vezes seu som ao grupo Sanfoneiros da Serra, cujos participantes sempre apreciam de sua participação, assim como quem assiste às apresentações.
Deu entrevista contando algumas de suas histórias em resumo abaixo.
MS – Conte um pouco da sua história.
Zé da Viola – Meu nome é José Geraldo Mozer e nasci em 1952, no município de Bom Jardim, o nome do lugar é Bolsa Nova. Morei lá até os 17 anos, depois fui para Trajano de Moraes e lá fiquei mais ou menos dez anos. Depois, fui para Macaé. Lá eu casei e fui para Macabu, para um lugar conhecido como Tirol. Ali moramos mais de dez anos, o tempo em que fui casado. Depois, fui morar ali perto da cachoeira Indiana Jones por oito a dez anos, mais tarde fui para Boa Esperança onde fiquei uns 14 anos. Vim para cá, para Lumiar, e estou aqui há quatro anos.
MS – Como o senhor ganhou esse apelido de Zé da Viola?
Zé da Viola – Isso é desde que comecei a tocar, quando tinha uns 18 anos, quando comprei uma violinha lá em Belo Horizonte. Nós fomos lá, de caminhão, levar carga.
MS – Carga de quê?
Zé da Viola – De inhame. E aí, comprei a viola e dizia “vou aprender a tocar”. Em duas semanas, aprendi a afinar. Trouxe de lá o Método Barreirito. Na época, o Barreirito era novo e fazia um grande sucesso. Desse método tirei essa afinação que eu uso, uma das melhores, e aprendi nessa afinação.
MS – E como o senhor aprendeu?
Zé da Viola – Aprendi sozinho. Ia para um lugar isolado, dentro de um mato, eu e meus companheiros. Helinho meu irmão ... íamos para lá para aprender a cantar. Meu pai não gostava que nós gravássemos. Nós escutávamos no toca-discos e depois íamos cantar para gravar a fita. Chegamos a gravar um disco, um compacto, daqueles que só tinha quatro músicas, duas de cada lado. Na época, nós cantávamos em emissoras.
MS – Quais emissoras?
Zé da Viola – Na Inconfidência, de Minas, e em outras. Nós íamos para Belo Horizonte de caminhão para cantar, dormíamos embaixo de lona, cheguei a dormir embaixo de uma carreta de 18 pneus. Eu fui criado na estrada e aprendi de tudo. Eu era motorista de caminhão e trabalhei em uma firma de Volta Redonda e lá nós fazíamos shows. Íamos para Itaocara, para Aperibé, para Miracema e em todos esses lugares fazíamos shows que juntavam de 250 a 300 pessoas. Nessa época, conheci uma menina em Macaé e casei, mas a família dela não gostava de viola, nem de show.

Caminhonete Ford, modelo dos anos 1940, Zé da Viola e seu neto Henri junto a algumas das miniaturas de automóveis, que ele produz desde criança e têm detalhes perfeitos, como o motor feito de peças independentes
MS – Quando o senhor casou?
Zé da Viola – Em maio de 1985. Em 1995, nós nos separamos.
MS – Quanto tempo o senhor ficou dirigindo caminhão fazendo frete?
Zé da Viola – Oito anos.
MS – Nessa mesma época, o senhor tocava?
Zé da Viola – Tocava. Às vezes marcava show e não podia ir porque a mulher não deixava.
MS – O senhor aprendeu a tocar sozinho, e o senhor lê partitura?
Zé da Viola – Eu lia um pouquinho, mas tenho pouco estudo.
MS – O senhor já me disse uma vez que seu pai não deixava os filhos estudarem. Como era isso?
Zé da Viola – Na hora do estudo, se tivesse um serviço, tinha que largar. Às vezes, no dia da prova, ele dizia: “Hoje, não, hoje a prova é na roça, nós vamos acabar de roçar aquele pasto”. Nós trabalhávamos muito. Desde os 7 anos eu trabalho. Meu pai era brabo, ele decretava uma coisa e nós tínhamos que fazer. Se ele marcasse acabar um serviço era para acabar mesmo. Minha mãe levava o almoço na roça. Não podia estudar, se falasse em estudo meu pai ficava brabo. Mas eu gostava de estudar.
MS – Quanto tempo o senhor ficou na escola?
Zé da Viola – Mais ou menos um ano. Mas foi um ano com muitas faltas.
MS – Mas o senhor nunca desanimou.
Zé da Viola – Nunca desanimei. Com 7 anos, eu pegava a madeira e fazia um Chevrolet como aquele que está ali [aponta uma miniatura de caminhão feita por ele.
MS – E quando o senhor fazia esses carros, se seu pai queria que fosse trabalhar na roça?
Zé da Viola – Nos sábados e domingos. Eu ia lá para um barraquinho, onde eu tinha ferramentas. Ia para lá cortar as madeiras para montar.
MS – Vendo essas miniaturas que o senhor faz e sabendo que foi pouco à escola, pergunto o seguinte: como o senhor calcula as medidas? Muitos carros desses o senhor viu fotografias em revistas. E os outros?
Zé da Viola – Até os 28 anos eu não tinha nenhuma revista. A minha memória é para isso. Deus me deu a memória para isso. Tirava a medida mais ou menos pelo padrão do caminhão. Às vezes o caminhão tinha seis metros de carroceria. Aí, eu tinha que fazer a carroceria com 60 centímetros. Esse cálculo eu fazia pela ideia, muitos cálculos foram feitos pela ideia. Na época eu não tinha nenhum livro das fábricas. Fazia o cálculo pela ideia, aquilo vinha na minha mente, eu tirava o padrão pela memória.
MS – Mas o senhor ia lá, no caminhão de verdade, e media?
Zé da Viola – Media, media a carroceria, a cabine, os pneus.
MS – O senhor fez um avião, como foi essa história?
Zé da Viola – Isso já foi em 1976. Eu tinha viajado de avião do Rio para Curitiba, um avião grande, onde cabiam 200 pessoas. Depois de uma semana, voltamos, também de avião. Depois, a empresa em que eu trabalhava faliu e eu fui trabalhar em uma oficina de móveis, em Lumiar. Na época, então eu pensei: “Vou fazer um aviãozinho”. Eu tinha uma rural e um Jipe, aí vendi a Rural para comprar peças para o avião. Fui ao Rio e comprei um motorzinho de ultraleve.
MS – Gastou muito dinheiro ...
Zé da Viola – ... muito dinheiro. Levei tudo para o Tirol.
MS – Mas é um lugar plano?
Zé da Viola – Tem um pedaço que é plano. Aí comprava o material e levava para lá de Jipe.
MS – Sempre no fim de semana?
Zé da Viola – No fim de semana. Eu trabalhava em outras coisas, na época, com móveis. No fim de semana eu montava o aviãozinho escondido, não queria que ninguém descobrisse. Lá é um platô que não tem fim.
MS – De que tamanho? De um campo de futebol?
Zé da Viola – Muito maior, mais de 20 campos de futebol. Tinha um morrinho e eu fiz o avião ali para decolar de lá. Levei quatro meses para fazer a avião e fiz. De vez em quando ia lá e testava em um voozinho, a uma distância de uns 30 a 50 metros.
MS – E em que altura?
Zé da Viola – A uns três metros do chão. Depois puxava com o Jipe de volta. Ele tinha pneu e suspensão de moto e o estrado era de madeira. Aí chegou o dia de testar o voo. Minha mãe chorava e pedia pelo amor de Deus para eu largar aquilo, porque eu iria morrer. Aí, no dia do voo, esquentei as turbinas direitinho, tinha 40 litros de combustível. Aí arranquei e ele saiu logo a uns três metros do chão. Depois de percorrer uma distância de uns mil metros, senti que o motor estava fraco. Devia estar a uns 150 metros de altura e senti que o motor ia apagar. Dominei, acelerei com 11 mil rotações. Aí joguei para umas varas de taboa e ele caiu a uns 50 metros do chão. Aí quebrou tudo. Esse meu dedo polegar partiu e ficou preso pela pele. Levei um talho na cabeça ... levei pontos, me machuquei muito. Eu não vi mais nada. Me pegaram e levaram para o hospital. Depois daquilo, não construí mais o avião. Levei o Jipe lá e juntei os pedaços. Depois vendi as peças.
MS – Como o senhor pensava o voo, ia pousar em algum lugar definido?
Zé da Viola – A minha ideia, o meu plano de voo ... achavam que eu era um cara louco e por isso não queria que ninguém visse o avião ... só quando estivesse voando, para todo mundo ver. Então, meu plano de voo era chegar a uma altitude de uns 2 mil metros por cima do arraial do Sana, dar a volta, passar por Lumiar e voltar para o mesmo lugar, em Trajano de Moraes, nesse lugar chamado Tirol, mas deu tudo errado porque o motor falhou.
MS – E hoje, o que o senhor pensa?
Zé da Viola – Ainda penso em fazer um aviãozinho daquele, só que hoje é mais difícil porque está tudo muito caro.
MS – E o senhor fez esse avião também de cabeça?
Zé da Viola – De cabeça.
MS – Como o senhor imaginou o avião? Tinha viajado de avião de passageiros para Curitiba e aí ...
Zé da Viola – ... fiquei com aquilo na ideia: “Vou fazer um aviãozinho”.
MS – Mas como o senhor imaginou o avião? O senhor viu algum desenho, algum projeto?
Zé da Viola – Na época, eu não tinha desenho nenhum. Vi um livro na casa de um conhecido lá de Barra Alegre, onde havia 80 modelos de avião, desde o do Santos Dumont. Vi esse livro na casa dele poucas vezes. Olhei e estudei um pouquinho os formatos de aviões. Tirei a ideia dali.
MS – E o senhor tem mais alguma história para contar?
Zé da Viola – Se eu contar minha vida inteira dá para fazer uma novela que a turma vai pedir bis, vai ficar na história, passar na Globo.

Zé da Viola é homem de imaginação e decisão de realizar o que pensa. Imagina carros e faz carros em miniatura, viaja de avião e cria um pequeno ultraleve em cuja queda quase perde o movimento do polegar da mão direita, inviabilizando sua atividade musical. Morador atualmente do distrito de Lumiar, já residiu em diversas localidades próximas. Sua vida, ele acredita, daria uma grande novela e faz lembrar o personagem José Arcadio Buendía, do romance Cem Anos de Solidão, do colombiano Gabriel Garcia Marques, publicado pela primeira vez em 1967. Os dois acreditam nas ideias que lhe vêm à mente e determinam-se a realizá-las, sem se assustarem com os riscos, não se importando se a vida lhes reserva como resultado o isolamento e o pouco reconhecimento.

- Maurício Siaines


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