quinta-feira, 27 de outubro de 2011

DAR DIREÇÃO AOS MOVIMENTOS


DAR DIREÇÃO AOS MOVIMENTOS

Crescem os protestos contra as intoleráveis injustiças sofridas pelos povos em grande parte deste mundo. Na Espanha, na Itália, na Grécia e em Portugal surgem grandes manifestações, desencadeadas pelo brutal aumento dos sacrifícios exigidos dos já sacrificados, pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Central Europeu, a fim de beneficiar bancos europeus e estadunidenses.
Experiência semelhante foi suportada, muitas vezes, por países latino-americanos. Entre eles o Brasil, que está menos distante do que imagina de mais uma crise nas contas externas, acompanhada de agravamento das já degradadas condições de vida da maioria de sua população.
Merecem atenção também as manifestações de resistência civil nos EUA e Reino Unido (Inglaterra), sedes da oligarquia financeira que comanda a tirania mundial. Especialmente, o Ocupar Wall Street aponta para o alvo correto: os grandes bancos internacionais, cujos controladores e associados dominam não só as finanças, mas também o petróleo, os armamentos, a grande mídia, a  indústria químico-farmacêutica etc.
Em suma: os concentradores do poder econômico-financeiro exercem absolutismo político cada vez maior, mandando nos governos “democráticos” eleitos pelo dinheiro e pela mídia. Esses não passam de gerentes da “democracia” e do cinismo que dá esse nome à tirania e que chama de liberdade a opressão, e de defesa de direitos humanos o genocídio cometido contra nações com armas de destruição de massa.
Se, em muitos países há alguma consciência da fonte do problema, no Brasil o povo parece anestesiado pelo ópio da TV enganadora.  Os governistas pintam tudo de cor de rosa, como se não houvesse razão para manifestações contrárias ao status quo, enquanto oposicionistas, ainda mais submissos ao império, tentam capitalizar o élan dos indignados com a corrupção.
Os promotores das marchas “contra a corrupção” não entendem ou fingem não entender que -  embora ela seja praticada por políticos e por muitos do serviço público – a mega-corrupção começa no setor privado,  especialmente nas transnacionais sediadas no exterior, grandes beneficiárias das políticas públicas implantadas no País desde 1954.
A partir de então e crescentemente, tornou-se legal.  e não identificada como corrupção, a mega-corrupção que entrega o mercado brasileiro à exploração de cartéis e oligopólios e que desnacionalizou o setor produtivo privado, além de privatizar a quase totalidade das empresas e bancos estatais e de pôr o que restou do setor público ao inteiro serviço das grandes empresas, principalmente estrangeiras.
O Brasil só faz figura de potência emergente para quem gosta de se iludir. A pobreza da grande maioria e também o atraso relativo do país resultam do modelo de dependência financeira e tecnológica. Ele não foi implantado por equívoco, mas de caso pensado: foi desenhado para isso, sob a influência e a pressão das potências imperiais que intervieram em 1954, 1961, 1964 e organizaram, entre 1982 e 1988, a pretensa volta ao “regime democrático”
A concentração da economia nas mãos das transnacionais só poderia dar no que deu: recorrentes crises nas contas externas, que geraram a dívida externa. Quando esta e seus juros se avolumaram, a ponto de levar à inadimplência forçada e ao consequente freiamento de sua expansão (final dos anos 70, início dos 80), despontou, em perene crescimento, a dívida pública interna.
Esta constitui enorme fardo, que inviabiliza o desenvolvimento do país, reduzindo a níveis ridículos os investimentos da União Federal e dos Estados. Aquela assumiu as dívidas destes e lhes exige juros tão absurdos como os que ela própria paga ao sistema financeiro.
Formou-se assim o esquema de quádrupla sugação dos brasileiros: a primeira, pagar impostos altíssimos e mal distribuídos: os pobres (mais de 83% da população) entregam mais de 30% do que ganham; os de renda média (menos de 15% da população) têm carga tributária acima de 50%, e as grandes empresas, bancos e outros investidores, além de poder evadir impostos, só são tributados nos ganhos financeiros em, no máximo, 15%.
A segunda sangria é as pessoas gastarem elevadas quantias com serviços que deveriam ser públicos, gratuitos ou módicos, nas áreas de saúde, educação etc., além de sofrerem  prejuízos com  saneamento e transportes inadequados e com energia injustificadamente cara,  devido às privatizações e à falta de investimentos públicos na infra-estrutura que ainda lhe cabe prover.
Os pobres e a classe média são mal atendidas ou nem o são, porque não têm como pagar clínicas, hospitais e escolas privadas, de qualidade, de resto, questionável e favorecidas pelo mercado com que o Estado lhes presenteia ao não proporcionar esses serviços à sociedade.
A terceira sugação são os juros escorchantes, múltiplos da taxa Selic dos títulos públicos, de longe a mais alta do mundo, com 5,5% aa., corrigida a inflação. Chegam a cerca de 240% aa. no cartão de crédito, 180% no cheque especial e a 90% em empréstimos a pequenas empresas.
A quarta é adquirir bens e serviços a preços muitíssimo mais altos que os praticados em países mais dotados de indústrias intensivas de tecnologia, e mesmo que na Argentina, México e outros latino-americanos.
Exemplo gritante é a indústria automobilística transnacional favorecida com subsídios escandalosos desde o golpe de 1954, aumentados por JK. Isso prossegue, até hoje, com empréstimos do BNDES a juros baixos e n outras benesses prestadas às transnacionais em geral.
De fato, elas se cevam também com incríveis subsídios à exportação, desde o final dos anos 60 (Delfim Neto), – isentadas de gravames em suas superfaturadas importações – bem como com a isenção do ICMS na exportação, presenteada pela Lei Kandir-Collor. Cresceram no Brasil com capital formado no próprio mercado brasileiro e com dinheiro público.
Este ano, em oito meses, só as montadoras de veículos transferiram ao exterior mais de US$ 4 bilhões em lucros registrados, o que não inclui os ganhos com o subfaturamento de exportações e o superfaturamento de importações, nem os serviços superfaturados ou fictícios pagos às matrizes.
Agora, e mais uma vez, as montadoras estrangeiras foram agraciadas com proteção à “indústria nacional”, mediante elevações do IPI para veículos importados, alegadamente para evitar a “invasão” de carros chineses e coreanos. As montadoras aqui instaladas estão livres do IPI majorado, utilizando 65% de componentes produzidos no MERCOSUL.  A reserva de mercado, que não existe para a indústria nacional, mesmo porque acabaram com ela, tornou-se política governamental para favorecer os “investimentos diretos estrangeiros – IDES”.
Os IDEs estão na raiz dos problemas, inclusive o da dívida interna, cujos juros são a expressão maior da submissão do País à escravização financeira, em nível injustificável conforme os parâmetros que  balizam as taxas em todo o mundo. Por isso, a dívida adveio da capitalização de juros,  estando os bancos e os aplicadores financeiros entre os grandes beneficiários do modelo econômico e político que inviabiliza o Brasil como nação.
Para concluir: sem liderança capaz de compreender as grandes sugações e de identificar os causadores delas, não há como fazer que qualquer movimento popular leve às transformações que se impõem, por mais que ganhe ímpeto em função das insuportáveis condições de vida do povo.

- Adriano Benayon é doutor em Economia e autor de Globalização versus Desenvolvimento.

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